Conheça a história de Olga, uma cristã da União Soviética que testemunhou o nascimento da Ásia Central em 1991

Fonte: Portas Abertas

Os cinco países na Ásia Central como conhecemos hoje (UzbequistãoTurcomenistãoTajiquistãoCazaquistão e Quirguistão) foram criados no início dos anos da União Soviética pelo regime de Joseph Stalin. Cada um deles era uma república que formava a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS). Porém em 1991, com a dissolução da União Soviética, todas as 15 antigas repúblicas soviéticas ganharam independência, o que inclui os cinco países citados. Para muitas pessoas, incluindo integrantes do governo de várias repúblicas, essa foi uma grande surpresa. Olga é uma cristã que testemunhou a queda da União Soviética e o nascimento dos países independentes da Ásia Central. Em 1991, ela compartilhou um pouco de suas experiências com um colaborador da Portas Abertas. Confira o que ela compartilhou.

A igreja sob perseguição

Os cristãos sempre sentiram a tensão da perseguição. Tudo que se fazia ou falava era monitorado. Sua casa poderia ser grampeada. Isso fazia com que os cristãos não se sentissem livres em lugar nenhum. Era como se a todo momento sentisse a respiração da agência de inteligência russa KGB.

Além disso, os cristãos também não eram considerados cidadãos plenos da União Soviética. Eram como uma segunda classe de pessoas, inimigos da ideologia comunista e considerados inimigos da sociedade e do país. Entretanto, isso unia ainda mais os cristãos como uma única família cristã. Eles tinham o sentimento de ser uma única igreja e família sofredora.

“Minha própria fé e caráter foram moldados por exemplos de fé em Jesus que via ao meu redor. Nós vimos exemplos de testemunhas de Cristo que confessaram a fé e, como consequência, terminaram no Arquipélago Gulag, onde ficava um dos campos de concentração da União Soviética. Algumas nunca voltaram. Em nossa própria igreja, um dos diáconos nunca voltou da prisão. Ele não sobreviveu à severidade do campo de trabalho forçado”, explicou Olga.


Para algumas pessoas, o medo era dominador. Todos sabiam que em quase toda igreja grande havia informantes, por isso não dava para saber em quem confiar. A KGB plantava divisões e desconfianças. Era preciso ser muito cauteloso com todos.

“Para mim, aquele período me tornou mais forte. Nós fomos sustentados pela oração, isso era absolutamente vital para nós. Meu pai costumava dizer que a oração era nossa respiração espiritual, principalmente na prisão. Ser cristão era um desafio à sociedade”, falou a cristã.

Os cristãos oravam para que Deus mudasse a situação e tivessem mais liberdade para pregar o evangelho. “Nós nunca oramos por um colapso no sistema comunista, mas Deus nos deu mais do que pedimos. Ele conhecia nossos corações e as orações de nossos avós e bisavós. As mudanças eram respostas das orações, lágrimas e sangue daqueles que nunca voltaram dos gulags. Deus estava fazendo algo novo para nós”, afirmou Olga.

Desafios do comunismo

O maior desafio para a igreja sob o comunismo era a questão da sobrevivência


O desafio da igreja de encontrar a posição certa em meio às autoridades estava sempre presente. As igrejas oficiais que estavam sob controle do Estado se comprometiam com as autoridades para sobreviver. Se não fosse assim, ou a igreja desapareceria ou a segurança pessoal seria colocada em risco. Apesar disso, cerca de um terço das igrejas protestantes rejeitaram a cooperação com o Estado e se tornaram “secretas”.

Também havia sempre o mesmo desafio da atual perseguição à fé: multas, assédio, discriminação e prisão. As autoridades levavam crianças de pais cristãos e as colocavam em orfanatos para serem criadas pelo Estado. Entrar em uma universidade era quase impossível; se envolver com política ou conquistar posições no governo estava fora de questão. Era preciso lidar com tudo isso ao ser cristão na época soviética.

Ventos da mudança

Antes da queda do muro de Berlim, os cristãos soviéticos sentiram que o tempo da liberdade estava chegando. Dois anos depois de Gorbachev se tornar líder do Partido Comunista, ele assinou uma anistia especial para os prisioneiros de consciência e dissidentes políticos que ainda estavam detidos. Em 19 de junho de 1987, o governo soviético publicou um decreto quanto a isso. As ondas de perseguição começavam a ser interrompidas.

O ano de 1988 teve ainda um significado especial por ser o aniversário de mil anos do cristianismo na Rússia. Em 988, o príncipe Vladimir adotou o cristianismo e ele, seus servos e muitos outros foram batizados. A Igreja Ortodoxa Russa e algumas igrejas batistas e evangélicas pediram permissão para celebrar naquele ano. A Portas Abertas teve a oportunidade de enviar um milhão de Bíblias para a Igreja Ortodoxa Russa como presente de aniversário.

Sem voltar atrás

No início dos anos 1990, a igreja nas antigas repúblicas soviéticas começou a desfrutar de cada vez mais liberdade


Pouco a pouco, comçaram as mudanças de atitude das autoridades. “Eu acho que Deus deu a Gorbachev aquele papel e o usou para abrir a cortina de ferro que estava ao redor da União Soviética. Para nós, a queda do muro de Berlim em 1989 foi apenas uma das coisas que Deus estava fazendo. Eu não tive a oportuidade de visitar Berlim até 1991. Me lembro de ter um sentimento de irreversibilidade, de que esse processo não pararia. Não era algo temporário, o período do comunismo tinha acabado de vez”, compartilhou Olga.

Pouco a pouco, o sentimento de ser constantemente monitorado desapareceu. Havia uma sensação de liberdade. Principalmente no começo dos anos 1990, havia muita liberdade. Gradualmente, os cristãos passaram a participar plenamente da sociedade, deixando de ser cidadãos de segunda classe. No final dos anos 1980 e começo dos 1990, começaram escolas bíblicas, seminários, organizações missionárias, atividades sociais e casas publicadoras.

Os cristãos sentiram a responsabilidade de pregar o evangelho dentro da União Soviética. Durante os anos de ateísmo, muitos não tiveram a oportunidade de ouvir o evangelho. Gradualmente, após o colapso da União Soviética, quando acabaram as restrições de viagem, a visão para alcançar outros países com o evangelho começou a crescer. Muitos países tinham mais afinidade com a Rússia do que com países ocidentais. Eles podiam ser hostis com atividades missionárias ocidentais, mas os membros da igreja russa poderiam alcançá-los.

Desafios na época do colapso

Após a queda do muro de Berlim e o colapso da União Soviética, as fronteiras se abriram. A atração em viver no Ocidente era muito forte para muitos cristãos. Houve praticamente um êxodo de cristãos para o Ocidente, principalmente para os Estados Unidos. Membros da igreja, pastores e até mesmo alguns dos que estiveram presos ou foram perseguidos emigraram. A tentação de uma vida fora da Rússia se mostrou ser muito forte.

Para os que ficaram para trás, foi inquietante de ver. “Eu pessoalmente conhecia apenas alguns que ainda vinham à Rússia regularmente e ajudavam as igrejas de várias formas. Com a política de portas abertas, muitas outras ideologias também entraram no país. Em algumas igrejas tradicionais, o estilo dos cultos mudou, e muitas novas igrejas foram formadas. O número de denominações protestantes aumentou rapidamente”, explicou Olga.

A sociedade foi confrontada com o capitalismo e o desejo de ser rico. Antes não havia propriedades ou negócios privados. Todos estavam acostumados a viver com o dinheiro que tinham, mas a perspectiva mudou. O desejo por prazer e riqueza começou a permear a sociedade em todos os níveis e o mesmo processo ocorreu na igreja.

A igreja em 1991

Irmão André participa de entrega de um milhão de Bíblias para Igreja Ortodoxa Russa


Como em outros países, na época a igreja enfrentava os desafios do pós-modernismo e a rejeição das autoridades. As pessoas acreditavam que tanto a verdade quanto Deus não existiam. Ninguém podia falar nada e cada um fazia o queria. Isso combinado ao capitalismo e à obsessão com o luxo revelam uma imagem da Rússia e do processo que influenciavam a igreja.

O desejo da Igreja Ortodoxa Russa de ter o monopólio em questões religiosas causou problemas para cristãos que não se sentiam a vontade na denominação. Eles sentiram o ostracismo e a exclusão, e alguns grupos protestantes foram considerados seitas destrutivas.

O cristianismo se tornou popular na Rússia. De acordo com informações oficiais, de 70 a 80% dos cidadãos russos pertenciam à Igreja Ortodoxa Russa. Outras estatísticas, entretanto, mostravam que metade deles não acreditava em Deus.